terça-feira, 27 de agosto de 2013

Tremores.

Esperava ansiosa por uma chamada dele. Haviam terminado o namoro há pouco tempo, por uma dessas brigas pequenas que na hora, adquirem um tamanho incontrolável. Tinham tentado conversar, mas os desencontros de intenções e humores pesaram mais que os sentimentos. As palavras saíram erradas da boca de um, o outro se irritou, discutiram de novo. Estavam sem se comunicar há alguns meses, mas ela ainda o amava. Por vezes ouvia o celular chamando na bolsa, achava que era ele, mas o aparelho nem tinha tocado. Passou o smartphone para o bolso da calça, pois saberia de verdade se tremesse. Foi pior. Cada mensagem no facebook, cada tweet, cada curtida no instagram, cada SMS ela achava que seria dele. Não era. Passou a sentir tremores fantasmas. Puxava o iPhone e não havia nada. Jurava que tinha vibrado, mas não. Isso se repetia, todos os dias. Era difícil segurar a ansiedade. Um dia o telefone tocou com um número privado. Era o que a tela mostrava quando ele ligava do escritório. O coração acelerou, ela procurou um lugar mais reservado e atendeu.
       - Boa tarde, é a Bárbara? Meu nome é Eduardo, eu tenho uma oferta imperdível do CardCred pra você.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Semáforo.


O rapaz aproveitava o sinal fechado para vender bolinhas de sabão. Um cilindro plástico com o líquido dentro, a tampa com o aro pronto para ser soprado. As bolhas voavam em meio aos automóveis e aos motoristas impacientes, que não davam a menor bola para aquilo. O rapaz sorria e soprava as bolhas, acreditando na simpatia como poder de venda. Algumas crianças dentro dos carros pediam aos pais, "é só 5 reais", mas o dia não era para poesia. Quando o sinal fechou de novo, um taxista distraiu-se com as bolhas. Passou a acompanhar os movimentos, pra onde subiam ou desciam, onde estouravam. Deu uma viajada naquilo, o olhar fixo nelas, o fundo cheio de fios, concreto e fumaça totalmente desfocado. Uma buzina o tirou do transe. O sinal tinha esverdeado. Mais buzinas. O passageiro reclamou. O taxista virou-se para ele e disse: “um instante”. Abriu a janela, tirou 5 reais da carteira, deu ao vendedor e partiu sem levar o brinquedo, deixando os palavrões para trás.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Avião.


Turbulência. Sacudidas, descidas bruscas. Os passageiros todos nervosos, tentando parecer calmos. Impossível ler. O rapaz dos fones de ouvido Dr. Dre até os tira da cabeça. Todos tentam esmagar com as mãos o que estiver ao alcance: braços de poltronas, outras mãos. O sinal de atar cintos parece mais aceso do que nunca. Apenas uma criança dorme, alheia a tudo. Pelas janelas, não se vê nada, só o cinza meio oleoso, quase sólido, com a certeza da noite por trás daquilo tudo. A luz da asa pisca, só para aumentar a apreensão: cada pequeno lampejo mostra o nada. Uns rezam. Uma senhora deixa escorrer uma lágrima. E a criança nos braços de Morfeu. A tortura dura intermináveis 5 minutos, nos quais a relatividade do tempo mostra todo seu lado prático: 30.000 centésimos contados em slow motion. Depois de uns instantes, o balanço começa a diminuir. Mãos se desapertam, a tensão desanuvia. As janelas começam a revelar luzinhas acesas na cidade lá embaixo. O avião pára de balançar. A criança acorda e cai no choro.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Novela.

- Fernandão, tô vendo minha vizinha aqui pela janela.

- Que é isso, cara? Tá espionando?

- Não, ela nem tá percebendo, a janela dela não tem persiana nem cortina.

- Mas ela tá pelada?

- Não, tá vestida, assistindo TV.

- Essa mulher vai ver você. Ela vai chamar a polícia.

- Relaxa, eu tô escondido aqui. Acho que ela não vai notar.

E o Marcos passou a assistir a vizinha todos os dias. Chegava do trabalho, olhava pela janela e ela estava lá. Ela, noveleira assídua. Ele, vendo sua novela particular. Meio monótona, é verdade: só tinha uma personagem, que ficava a maior parte do tempo sentada, assistindo TV. Não era bonita, nem feia. Mas havia um fascínio qualquer em observar aquela desconhecida.

Criou um nome para ela, achava que tinha cara de Marta. Torcia para alguma coisa acontecer. O roteiro estava fraco, faltava dinâmica. Os figurinos mudavam, desejava que um dia ela surgisse de camisola, ou calcinha e sutiã, mas o máximo que viu foi uma camiseta larga. Mesmo assim, ele não desgrudava os olhos.

Aquilo durou meses. No dia do último capítulo da novela, ela chorou. Puxou um lenço de papel, passou nos olhos, assoou o nariz. O capítulo acabou, ela se levantou, desligou a TV e saiu da sala.

No dia seguinte, Marcos chegou em casa e foi para a janela. O apartamento estava vazio. Marta nunca mais apareceu.