terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Paqui.


O menino não gostava de nada. Filho de pais muito ricos, tinha tudo importado, de roupas a bicicleta motorizada. O cachorro, um Bernese Mountain Dog, que era suíço e só entendia francês, morava esquecido no canil desde o dia em que chegou à casa e foi deixado de lado pelo menino após 20 minutos. Toda vez que ganhava algo novo, ou torcia o nariz, ou enjoava rápido. Não tinha amigos na escola para ricos, até os colegas de nariz mais empinado o achavam esnobe. Numa sexta-feira, o pai voltou de viagem de um distante país asiático trazendo um elefante-anão de presente. Tinha mais ou menos o tamanho de um gato. Frente ao terror da mãe, o pai esclareceu: era um animal muito raro, crescia pouco, ficaria menor que o cão da família. Pela primeira vez em seus 9 anos de idade, os olhos do menino brilharam. O mini-elefante andava pela casa, esbarrava nos móveis com a tromba, desajeitado, e o menino ria de doer a barriga. Os pais se aliviaram, podiam agora ficar absortos em seus iPads sem culpa, pelo menos até o garoto cansar do brinquedo vivo. Mas o fim de semana passou e ele não cansou. Dormia e acordava com o animalzinho em sua cama. Batizou de Paqui - diminutivo de paquiderme. Os dois ficaram inseparáveis. Na segunda, pediu à mãe para levar o bichinho à aula. “Não pode entrar na escola, mas o motorista pode levar no carro com você”, respondeu. Os colegas ficaram encantados. Puxaram papo. O garoto chato, esnobe e distante sentiu o gostinho da popularidade. Contou como era divertido, mentiu dizendo que Paqui plantava bananeira com a tromba, que dava saltos de 3 metros, que fazia cocô cheiroso. O dia passou lento, o menino só pensava em ver Paqui de novo. Terminada a aula, o motorista levou-o para casa. Chegou gritando o nome do bichinho. A mãe estava lívida. “Cadê o Paqui, mãe?”. O bichinho tinha fugido num descuido, ela deixara a porta aberta enquanto olhava seu iPad. Viram pelas câmeras de segurança o momento em que ele tinha saído pelo portão da mansão, esquecido aberto pelo motorista, para nunca mais ser encontrado. O menino chorou uma semana. Perdeu a cara de mau-cheiro. Voltou a usar os presentes que sempre deixara de lado. E entrou no francês para aprender a brincar com o cachorro.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Bom humor.


O ambiente de trabalho era sério, sisudo. Do tipo pressão total. Passava noites dormindo mal, preocupado com o que teria que fazer no dia seguinte. Ia dormir tarde e acordava mais cedo do que precisava, chegava antes do horário para adiantar o serviço, naquele clima pesado. Um dia, descobriu por acaso que quanto menos dormia, melhor ficava seu humor. Tinha saído com os amigos em pleno domingo, para tentar descontrair antes da semana começar. Foi esticando no boteco, depois na boate, depois no inferninho, depois na casa de strip-tease, depois passou em casa, tomou uma ducha e chegou ao trabalho em plena segunda, bradando bons-dias alegres e insuportáveis. Os colegas continuavam tensos e cheios de formalidades. Ele nem tinha bebido muito na noite anterior: a ressaca era dos outros com seu comportamento. Trabalhou muito e rendeu mais ainda durante o dia, causando a inveja dos colegas mais próximos, que só queriam que chegassem as 18 horas – da sexta. Saiu de novo na quarta seguinte, foi difícil achar quem o acompanhasse. Terminou conversando com o bêbado do bairro. Novamente, foi o tempo de passar em casa, tomar um banho e chegar ao trabalho a 200 por hora, com sorriso indisfarçável, contando piadas, mais divertido do que nunca, alvo de admiração das mulheres e de ódio dos homens. Resolveu testar seus limites. Passou mais 3 noites sem dormir. A cada dia estava mais bem-humorado, se é que era possível. Chegou virado ao escritório na manhã de segunda. Foi um show. Ria para todos, elogiou a beleza das secretárias, fez piada com o implante capilar do colega – algo que todos queriam ter feito, mas não tinham coragem. Aquele astral todo incomodava. Foi chamado pelo chefe e demitido. Gargalhou da notícia e foi embora. Ninguém ameaça impunemente tanta tristeza.