quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Classe.

Classe.

O sujeito era muito esnobe, mas em dias de politicamente correto, estava pegando mal ter aquele ar superior. Além disso, a mídia, as pessoas e mesmo o mundo dos negócios eram taxativos: o charme e o dinheiro hoje estão na Classe C. Começou a se esforçar para parecer que tinha vindo do povo. Fez um cartão C&A pra comprar roupas novas. Trocou os restaurantes caros pelos botecos. Dispensou o motorista e ia de táxi. Saltava um quarteirão antes pra chegar a pé e não parecer rico. Mas como se enturmar? Nas conversas o assunto era futebol, e não pólo. Novela, e não política. Compra de eletrodomésticos, e não de lanchas. Ficava ali calado, tomando cerveja e ocasionalmente, uma pinga, que cuspia disfarçadamente, lamentando não ser seu uísque 21 anos. Tentava entrar no papo, mas teve medo de soar falso, empolado – e havia lido que a Classe C detesta falsidade. Teve então a ideia de googlar ditos populares e decorá-los. Não conhecia muitos - afinal, eram ditos populares, não de elite. Mas sempre haveria uma situação onde aplicar um bom ditado. Pena que a memória dele já não andasse essas coisas.

- E o jogo de ontem, hein? Que zebra!
- Água mole em pedra dura, a galinha enche o papo.

- E você viu o barraco na novela?
- Cão que ladra, no seu galho.

- Comprei uma TV nova em  24 vezes no crediário.
- Em terra de cego, caça com gato.

- Bora um churrasquinho na laje esse fim de semana?
- Em boca fechada, espeto de pau.

O pessoal achou o sujeito estranhíssimo. A fama de espalha-bolinho grudou. Teve que voltar para a turma do golfe. Ô povinho, essa Classe C.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Um.


Unápolis era uma cidade curiosa. Tinha apenas 1 pessoa em cada profissão. Um padre, um policial, um médico, uma prostituta, a Raylene. Na verdade, o prostíbulo da cidade tinha 2 mulheres, mas apenas uma se dedicava à profissão - a outra era a cafetina. Unápolis também tinha apenas um bar, obviamente com um garçom, e uma escola, com uma professora. O único bombeiro da cidade não via trabalho há tempos. Passava seus dias jogando damas com o único policial, cujo último caso tinha sido há exato 1 ano – o único bêbado da cidade cantava alto e gritava ao sair do bar, acordando a única solteirona, que procurou a delegacia e fez questão que o bêbado passasse uma noite na cadeia. Um dia, o padre recebeu o prefeito no confessionário. “Seu padre, pequei. Traí minha mulher.” “Com a Raylene?”, perguntou o padre, surpreso por ouvir, até então, o único caso de traição em sua paróquia (ele que não considerava a Raylene uma traição propriamente). “Não, com a enfermeira.” O padre ficou chocado. A única enfermeira da cidade, prestando-se a esse papel. Mandou o prefeito rezar um pai-nosso. Uma hora depois, entrou uma mulher no confessionário. Era a enfermeira. “Seu padre, pequei.” “Diga, minha filha”. “Me deitei com o prefeito. E estou grávida.” O padre pensou um minuto. Deu apenas uma ave-maria e um pai-nosso de penitência. Afinal, em pouco tempo, a cidade teria seu único bebê. Hoje, Umberto é um garoto saudável e adora jogar bola. Seu sonho é ser goleiro. Por causa do número na camisa.