Ele
rolava de um lado para o outro na cama. 1h21. Tinha feito tudo como mandava o
figurino de quem quer dormir sem problemas: chegou em casa, comeu, tomou um
banho quente, não assistiu TV. Escutou músicas relaxantes. Começou a ler um
livro chato. E quando o sono bateu, desligou o abajur. Mas nada. Não conseguia
pregar o olho. O pior é que ele não sabia a causa da insônia. Tentou descobrir.
Era o trabalho? Podia ser, mas nada específico. O chefe até era um saco, mas
muito baixinho - não tinha nem tamanho pra tirar seu sono. Problemas com a
família também não eram: os pais iam bem, os irmãos idem, e ele não era casado
nem tinha filhos. Podia ser preocupação com o cachorro, mas ele não tinha um.
Lembrou do peixe dourado que ganhou na infância e que morreu no dia seguinte,
mas esse motivo tinha ido descarga abaixo anos atrás, literalmente. O que podia
ser? Vai ver era o medo de ficar doente. Mas tinha uma saúde de touro, a última
gripe ele nem se lembrava quando. 1h23. O pensamento viajava rápido, mas o raio
do tempo não passava. Dois minutos só. Aí descobriu. Estava preocupado com as
horas. As horas que passavam, inexoráveis, e ele não podia fazer nada quanto a
isso. Um desfile interminável de segundos bem à sua frente, sem pressa – aqueles
segundos que teimam em não ter a velocidade dos centésimos. E ele ali,
impotente. Racionalizou e acabou desistindo de se preocupar. Não havia o que
fazer. Acalmou-se. 1h25. Agora vou dormir, pensou. Ia caindo no sono quando o
despertador tocou. Eram 7h30.
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
Morena.
Ele sonhou com ela. Estava morena, bem morena, em uma praia. Cercada de gente, muitas pessoas em volta. Homens, mulheres. E ela dando atenção a todos. Vários a cortejavam, trocavam olhares. Ele via a cena afastado, mas também tinha muita gente ao redor. Rindo, cumprimentando, chamando a atenção dele, mostrando novidades, querendo estar próximos. Os dois se observavam de longe. Por mais pessoas e vendedores e barracas e sol e homens e mulheres e grãos de areia e tudo que estivesse atrapalhando, o olhar dos dois sempre se encontrava. Havia, em especial, um rapaz mais próximo dela. Não saía de perto. Mas ela não olhava mais para o rapaz, e sim para ele, distante. Os olhares se cruzavam mais e mais, até que ela finalmente sorriu. Para ele. Morena, como ele nunca tinha visto, os dentes brancos se destacando na moldura do rosto. Então ela saiu do grupo, veio andando em sua direção, sorrindo, como nunca havia sorrido. Piscou os olhos, demoradamente, em câmera lenta. E ele percebeu que estava sonhando. Era aquele momento do sono em que você se dá conta de que nada é real, mas continua dormindo assim mesmo, sem querer despertar. Aí deu-se algo curioso: o grupo de pessoas foi sumindo, a multidão esvanecendo, como se tudo ali passasse a pertencer a outro sonho, de outra pessoa. Ela chegou perto dele, morena como nunca, e o abraçou, na ponta dos pés, aconchegada, encostando a cabeça em seu peito. Ele acordou. No dia seguinte, lembrou-se do tom da pele dela. Comprou um chocolate tão moreno quanto e deixou de presente, sobre mesa do trabalho. E tratou de comprar um protetor solar para si.
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