terça-feira, 26 de novembro de 2013

Apêndice.

Ele amava platonicamente a menina do financeiro. Como em todo amor platônico, ela não dava bola. Quando ela passava, o coração dele quase saltava pela boca e continuava se arrastando pelo chão atrás dela. Ela o desprezava, e isso só o deixava mais apaixonado. A danada tratava mal, pisava nos sentimentos dele, só para se sentir poderosa. Uma vez, percebeu um sorriso dela em direção a ele. Sorriu de volta, mas ela fechou a cara: o alvo era o chefe, que estava atrás dele. Consultou uma cartomante, que disse que ele tinha chance. Viu um cartaz de trago a pessoa amada em 7 dias, pagamento mediante resultado. Foi à mãe de santo, pagou a metade, fez tudo que a mulher mandou. Quando chegou o sétimo dia, caiu de cama. Apendicite. Foi parar no hospital, ganhou licença de uma semana no trabalho. Conheceu uma paciente na sala de espera, que já tinha tirado o apêndice e disse que a vida não tinha mudado em nada, que ele não se preocupasse. Ele disse que tinha certeza que ia morrer, ou que pelo menos a vida dele ia mudar muito depois de tirar aquilo fora. Ela achou graça, prazer Marina, prazer Tarcísio. Trocaram telefones. Quando saiu do hospital, ligou pra ela, bateram um papo amigável e marcaram de se encontrar pra conversar, sei lá, da vida, de pós-operatórios. Ela riu de novo. Voltou ao trabalho. Sua paixão não lhe parecia mais tão bonita, tinha um defeito no rosto, um pescoço talvez comprido demais. Sentiu o celular vibrando, era uma mensagem da moça do hospital. Marcou um almoço para amanhã e, quando levantou a cabeça, a menina do financeiro estava lá. Sorrindo. Para ele. No dia seguinte, escolheu um self service mais arrumadinho e encontrou-se com Marina. Riram, falaram de apêndices, cicatrizes e hospitais. Tão logo o almoço terminou, ele voltou à mãe de santo e pagou a outra metade.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

Atrasado.

Ele chegava sempre atrasado. Para tudo. Na escola, os filhos já estavam acostumados. Fim da aula às 17h, o pai passava às 18. Esperavam com o vigia da escola, sabiam de cor e salteado suas histórias. De manhã, acordava às 7h30, mas não conseguia chegar ao trabalho antes das 10. Experimentou acordar meia hora antes, mas chegava no mesmo horário. Certa ocasião acordou às 5 da manhã, mas além de só conseguir chegar às 10, passou o dia inteiro sonolento. O chefe, reconhecendo sua competência, era compreensivo. Deixava-o sair uma hora depois, compensando o tempo. As sessões de cinema eram um problema. Se começavam às 16h, ele chegava às 17h. Se eram às 20h, chegava às 21h. Foi ao médico. O diagnóstico: tinha um problema sério de fuso horário. Resolveu mudar-se para a Bahia, onde segundo o senso comum, as coisas eram sempre atrasadas. Além disso, lá não havia horário de verão, que para ele era um terror, pois acordava uma hora mais cedo, mas chegava sempre às costumeiras 10 no serviço. Terminada a mudança, para comemorar, resolveu ir ao cinema. Escolheu a sessão das 19h, com tempo para uma pizza com a família depois. Chegou às 20, entrou na sala. O filme tinha começado no horário do cartaz, mesmo. Ficou indignado, juntou tudo e foi para a Islândia, 2h de fuso horário a mais. Todos os dias, ficava uma hora passando um frio cão, esperando o vigia do trabalho chegar com a chave às 9.